yumi
depois do gole de saquê do almoço
observo a palha
tentando desvelar a
coloração das
ventanias
nesses dias embalados
do tic tac dos hashis,
lembro de ter reparado
na metade dianteira dos tigres,
no batismo dos bonsais que acabei fazendo
em algum lugar de Shibuya
esmagado por seus tamancos e máscaras
consegui encontrar as ritmadas mensagens decodificadas
em
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que tipo de tatame é necessário para que eu descanse?
qual tecido, sombrinha ou véu é preciso para que me possa tocar?
ao percorrer
uma a uma
as armadilhas do pó de seus haicais,
inverto meus eixos ao colher flores de cerejeira
e transformo minhas fogueiras
em pequeninas brasas
para poder pensar o céu
o céu sobre
me perdi por vezes na renda de suas calcinhas
e sei que por vezes se perdeu em meus garfos &
folhas de manjericão enquanto
tentava encontrar algum dos meus cinzeiros.
sempre fizemos tanta questão de achar o caminho de volta
nas noites roubadas de meios de semana
as frases atrasadas dos pratos
e uma pintura empoeirada de Modigliani
nos fizeram encontrar algumas dezenas de postais
que articulavam
nossa falta
de tato com os verbos todos.
as canções uruguaias, as cervejas argentinas
num apartamento da capital
enquanto lembrava os seus olhos de Salvador Dalí e encarava
meus cada vez mais complexos candelabros
segui meus ensaiados passos
e lembro bem da foto que recebi da sua
passagem de avião.
em algum lugar da Berlim que nunca teremos
ou nos discos que imagino ter ouvido nas tantas horas
da poltrona 36C,
os museus talvez não entendam direito os milhares de fios de cabelo
que cairão em seus corredores.
é bem possível que aquele anjo sentado no obelisco também não entenda
aquelas presenças todas.
e o perfume continua
em uma flor morta
que mancha duas páginas de um livro
Vítor Guima é escritor, compositor e cineasta. Chamado de grande aposta da nova MPB pelo site Keeping Track e de promessa da MPB pelo Observatório de Música da UOL em 2019, seu álbum de estreia, O Estrangeiro, foi eleito um dos melhores discos nacionais do ano pelo Estadão. No cinema, Guima foi roteirista e diretor dos filmes Mônica e Rua Vergueiro. Estreia na literatura com o livro de poemas A Morte da Graça no Baile dos Erros, que será publicado pela Editora Urutau no primeiro semestre de 2020.